Universidade
Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
Mírian Rachel de
Jesus Soares
Princípios e Diretrizes do Sistema Único de Saúde
Gustavo Corrêa Matta
Os princípios e
diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) devem ser compreendidos a partir de uma
perspectiva histórica e epistemológica, constituindo-se como um produto
resultante de um processo político e que expressa concepções sobre saúde e
doença, direitos sociais, gestão, as relações entre as esferas de governo do
país, entre outros.
A base legal do SUS é construída
fundamentalmente por três documentos que expressam os elementos básicos que
estruturam e organizam o sistema de saúde brasileiro, São eles:
- A Constituição Federal de 1988, na qual
a saúde é um dos setores que estruturam a seguridade social, ao lado da
previdência e da assistência social (Brasil, 1988).
- A lei 8.050, de 19 de setembro de 1990,
também conhecida como a Lei Orgânica da Saúde e que dispõe principalmente sobre
a organização e regulação das ações e serviços de saúde em todo território
nacional (Brasil, 1990a).
- A lei 8.42, de 28 de dezembro de 1990,
que estabelece o formato da participação popular no SUS e dispõe sobre as
transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde
(Brasil, 1990b).
Além disso, há diversas normatizações,
decretos, portarias e medidas provisórias que atualizam, alteram ou revisam
aspectos organizacionais e operacionais do sistema.
Definir
e descrever os princípios e diretrizes do SUS não é tarefa simples. As
dificuldades são várias em diversas ordens. A primeira dificuldade é definir
claramente a diferença entre princípio e diretriz. Por exemplo, o texto
constitucional em nenhum momento menciona o termo princípios, afirmando que o
SUS é organizado de acordo com as diretrizes. Já a lei 8.080 de 1990, afirma
que o SUS será organizado de acordo com as diretrizes dispostas no artigo 198
da constituição e também por princípios discriminados no texto. A segunda
dificuldade são os diversos atributos do SUS apontados como princípios e
diretrizes. Como podemos observar as citações anteriores, a legislação do SUS
apresenta diversos elementos que podem ser apresentados como estruturantes e
também como organizativos, o que contribui para o esvaziamento da diferença
entre princípio e diretriz, bem como para a pulverização dos atributos que
devem constituir o SUS.
O dicionário Houaiss da língua portuguesa (Houaiss & Villar, 2001:2.299)
defini o princípio como “1. O primeiro momento da existência (de algo), ou de
uma ação e processo; começo, início (...); 2. O que serve de base a alguma
coisa; causa primeira, raiz, razão (...); 3. Ditame moral; regra, lei,
preceito”.
Diretriz é definida pelo Houaiss da língua portuguesa (Houaiss
& Villar, 2001:1.050) como “1.a linha básica que determina o traçado de uma
estrada; 2. Esboço, em linhas gerais, de um plano, projeto etc; 3.norma de
procedimento, conduta etc; diretiva”.
Conforme
nossa descrição sobre o sentido de princípio, identificamos três elementos que
compõem a base cognitiva, ideativa e filosófica do sistema brasileiro e que foi
inscrita na Constituição Federal de 1988.
PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE – O artigo 196
da Constituição Federal afirma que “a saúde é direito de todos e dever do
Estado”.
A noção de direito a saúde difere
completamente da noção de seguro social que esteve presente no Brasil desde a
Lei Eloi Chaves em 1923, quando trabalhadores e empregados financiavam as
Caixas Aposentadoria e Pensões (Caps). O financiamento da aude se dá por meio
de arrecadação de impostos e outras formas de obtenção de recursos que devem
ser administrados para atender aos princípios do SUS e às demandas de saúde da
população brasileira.
PRINCÍPIO DA EQUIDADE – ele é fruto e um
dos maiores e históricos problemas da nação: as iniquidades sociais e
econômicas. Essas iniquidades levam a desigualdades no acesso, na gestão e na
produção de serviços de saúde. Portando o princípio de equidade, para alguns
autores, não implica a noção de igualdade, mas diz respeito a tratar
desigualmente o desigual, atentar para as necessidades coletivas e individuais,
procurando investir onde a iniquidade é maior.
A equidade no acesso às ações e aos
serviços de saúde traduz o debate atual relativo à igualdade, prevista no texto
legal, e justifica a prioridade na oferta de ações e serviços aos segmentos
populacionais que enfrentam maiores riscos de adoecer e morrer em decorrência
da desigualdade na distribuição de renda, bens e serviços. (Vasconcelos &
Pasche, 2006: 535)
PRINCÍPIO DA INTEGRALIDADE – A Constituição
afirma que o atendimento integral deve priorizar as ações preventivas, sem
prejuízo das ações e assistência. Isso significa afirmar que o usuário do SUS
tem direito a serviços que atendam suas necessidades, ou seja, da vacina ao
transplante, com prioridade para o desenvolvimento de ações preventivas.
A
partir da análise de legalização do SUS e dos textos que tematizam sua
organização, identificamos três diretrizes que devem se articular com os
princípios do SUS:
DIRETRIZ DA DESCENTRALIZAÇÃO - No SUS, diretriz da descentralização
corresponde à distribuição de poder político, de responsabilidades e de
recursos da esfera federal para a estadual e municipal. Ou seja, estamos
falando de uma ‘desconcentração’ do poder da União para os estados e municípios,
tendo como objetivo a consolidação dos princípios e diretrizes do SUS.
DIRETRIZ DA REGIONALIZAÇÃO E
HIERARQUIZAÇÃO – a lei 8.080 dispõe sobre a necessidade de regionalização e
hierarquização da rede de serviços. Essa diretriz diz respeito a uma organização
do sistema que focar a noção de território, onde se determinam perfis
populacionais, indicadores epidemiológicos, condições de vida e suporte social,
que devem nortear as ações e serviços de saúde de uma região.
DIRETRIZ DA PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE – a
participação popular é um dos marcos históricos da Reforma Sanitária
Brasileira, quando, no final dos anos 70, sanitaristas, trabalhadores da saúde,
movimentos sociais organizadores e políticos engajados na luta pela saúde como
um direito, propunham um novo sistema de saúde tendo como base a
universalidade, a integralidade, a participação da comunidade e os elementos
que atualmente constituem o arcabouço legal e a organização do SUS.
O SUS possui instancias colegiadas de
participação popular em cada esfera de governo. São elas: Os conselhos de Saúde
e as conferencias de saúde.
Os conselhos de saúde
estão presentes nos três níveis de governo, representados pelo Conselho
Nacional de Saúde, Conselho Estadual de Saúde e Conselho Municipal de Saúde.
As conferencias de saúde
devem se reunir em cada nível de governo a cada quatro anos, com a
representação dos diversos segmentos sociais, podendo ser convocada pelo poder
Executivo ou extraordinariamente pela própria conferencia ou pelos conselhos.
Diversos
interesses econômicos, políticos e culturais estão em jogo na arena
sociopolítica brasileira e colocam em disputa projetos sanitários e societários
distintos, impedindo muitas vezes o avanço do SUS.
A
consolidação do SUS depende também de um novo projeto societário, da superação
das históricas iniquidades sociais e econômicas que persistem em existir no
Brasil e na construção de um modelo de Estado que se responsabilize por
políticas sociais que possam convergir e potencializar o ideário da Reforma
Sanitária brasileira.