terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Resumo História das Políticas de Saúde no Brasil: a trajetória do direito à saúde

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
Mírian Rachel de Jesus Soares

História das Políticas de Saúde no Brasil: a trajetória do direito à saúde.
Tatiana Wargas de Faria Baptista

As primeiras ações de saúde pública implementadas pelos governantes foram executadas no período colonial com a vinda da família real para o Brasil (1808) e o interesse na manutenção de uma mão-de-obra saudável capaz de manter os negócios promovidos pela realeza.
Um dos resultados da política de normatização médica foi a constituição de hospitais públicos para atender algumas doenças consideradas nocivas à população e de necessário controle pelo Estado, como as doenças mentais, a tuberculose e a hanseníase.
As primeiras ações de saúde pública (políticas de saúde) que surgiram no mundo e que também passaram a ser implementadas no Brasil colônia voltaram-se especialmente para: proteção e saneamento das cidades, principalmente as portuárias, responsáveis pela comercialização e circulação dos produtos exportados; controle e observação das doenças e doentes, inclusive e principalmente dos ambientes; teorização acerca das doenças e construção de conhecimento para adoção de práticas mais eficazes no controle de moléstias.
A preocupação maior era a saúde da cidade e do produto; a assistência ao trabalhador era uma consequência dessa política. Nesse sentindo algumas campanhas voltadas para os trabalhadores começavam a ser implementadas. A lavoura do café e toda base para armazenamento e exportação do produto, dependentes do trabalho assalariado, necessitava cada vez mais de mão-de-obra, e as epidemias que se alastravam entre os trabalhadores, devido às péssimas condições de saneamento, prejudicavam o crescimento da economia.
Começava a busca por conhecimento e ações na área da saúde pública, com a criação, em 1897, da Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), o incentivo às pesquisas nas faculdades de medicina e no exterior (no instituto Pasteur) e a criação de institutos específicos de pesquisa, como o Instituto Soroterápico Federal, criado em 1900, renomeado Instituto Oswaldo Cruz (IOC) um ano depois.
A partir de 1902, com a entrada de Rodrigues Alves na presidência da República, ocorreu um conjunto de mudanças significativas na condução das políticas de saúde pública. A reforma na saúde foi implementada a partir de 1903, sob a coordenação de Oswaldo Cruz, que assume a diretoria geral de saúde pública. Em 1904, ele propõe um código sanitário que institui a desinfecção; considerado por alguns como um “código de torturas”, dada a extrema rigidez das ações propostas. Ele também implementa sua primeira grande estratégia no combate às doenças: a campanha de vacinação obrigatória. Seus métodos tornaram-se alvo de discussão e muita crítica, culminando com um movimento popular o Rio de Janeiro, conhecido como a Revolta da Vacina (Costa, 1985; COC, 1995). As reações dos grupos organizados surgiram devido a ignorância da população sobre o mecanismo de atuação da vacina no organismo humano associada ao medo de se tornar objeto de experimentação pelos cientistas e atender interesses políticos dos governantes (Costa, 1985).
Em contrapartida, com as ações de Oswaldo Cruz conseguiu-se avançar bastante no controle e combate de algumas doenças, possibilitando também o conhecimento acerca das mesmas. Nas décadas de 1910 e 1920 ele dá início a segunda fase do movimento sanitarista, e a ênfase passou a estar no saneamento rural e no combate das três endemias rurais (ancilostomíase, malária e mal de Chagas).
Na década de 1920 o Brasil estava a todo vapor nas exportações, com isso as exigências dos importadores quanto a qualidade dos produtos cresciam. Novas ações foram implementadas no controle das doenças, tanto na área da saúde pública quanto na da assistência médica individual (Costa, 1985).
Em 1923, Eloy Chaves propõe uma lei que regulamentava a formação de Caixas de Aposentadorias e Pensões (Caps). As Caps eram organizadas por empresas e trabalhadores, em uma espécie de seguro social.
Note-se que apesar de o Estado não ter definido um sistema de proteção abrangente e de se ter mantido à parte dessa forma de organização privada, restringiu-se a legaliza-la e controla-la a distância, esse modelo serviu de base para a constituição de um primeiro esboço de sistema de proteção social no estado brasileiro, que se definiu a partir dos anos 30 no contexto do governo Getúlio Vargas. Duas mudanças institucionais marcaram a trajetória da política de saúde e merecem ser aprofundadas: a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (Mesp) e do Ministério do Trabalho, Industria e Comércio (MTIC).
A política de proteção ao trabalhador iniciada no governo Vargas marca uma trajetória de expansão e consolidação de direitos sociais. Algumas políticas foram importantes: a obrigatoriedade da carteira profissional para os trabalhadores urbanos, a definição da jornada de trabalho para oito horas, o direito a férias e a lei do salário-mínimo. Getúlio passou a ser conhecido como o “pai” dos trabalhadores, inicia no Estado brasileiro uma política de proteção ao trabalhador, garantindo, com isso, uma mão-de-obra aliada ao projeto de Estado, mantendo sua base decisória na estrutura estatal centralizada e atendendo aos seus interesses econômicos. É nesta fase que são criados os Institutos de Aposentadorias e Pensões (Iaps), ampliando o papel das Caps, constituindo um primeiro esboço do sistema de proteção social brasileiro.
Estavam incluso nos Iaps – instituto dos marítimos (IAPM), dos comerciários (IAPC), dos industriais (Iapi) e outros. O trabalhador que não contribuísse com os institutos estava excluído do sistema de proteção. A proteção previdenciária era um privilégio de alguns incluídos, o que fazia com que grande parcela da população, principalmente os mais carentes, fosse vítima de uma injustiça social. Valorizando o trabalhador que exerce funções de interesse do estado, atribuindo apenas a estes um status de cidadão, uma ‘cidadania regulada’ e excludente, pois não garante a todos o mesmo direito. (Santos, 1979).
A partir da década de 1950, mudanças ocorreram no sistema de proteção à saúde. O processo de acelerada industrialização do Brasil, o que gerou uma massa operária que deveria ser atendida pelo sistema de saúde. Tal fato levou a uma expansão progressiva e rápida dos serviços de saúde.
O modelo de saúde que passa a se definir baseado no hospital e na assistência cada vez mais especializada também seguia uma tendência mundial, fruto do conhecimento obtido pela ciência medica no pós-guerra.
Foram grandes marcos a criação do Ministério da Saúde em 1953, atribuindo um papel político específico para a saúde no contexto de Estado Brasileiro; e a reorganização dos serviços nacionais de controle de endemias rurais no Departamento Nacional de Endemias Rurais (Deneru) em 1956.
Após o golpe militar em 1964 veio a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que permitiu uma uniformização dos institutos.
As pressões por reforma na política de saúde possibilitaram transformações concretas ainda nos anos 70, mudanças que se efetivaram de forma incipiente e resguardando os interesses do Estado autoritário. Dentre as políticas implementadas, destacam-se; a criação do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS); a formação do Conselho de Desenvolvimento Social (CDS); a instituição do Plano de Pronta Ação (PPA); a formação do Sistema Nacional de Saúde (SNS); a promoção do Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (Piass); a constituição do Sistema Nacional da Previdência e Assistência Social (Sinpas) no âmbito do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) e a criação do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), que passou a ser o órgão coordenador de  todas as ações de saúde no nível médico-assistencial da previdência social.
Esse conjunto de medidas favoreceu a construção de políticas mais universalistas na área da saúde priorizando a extensão da oferta de serviços básicos e fortalecendo a perspectiva de reforma do setor.
A saúde passava a assumir um sentido mais abrangente, sendo resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte emprego, lazer, liberdade, acesso a serviços de saúde, dentre outros fatores. Portanto, o direito à saúde significava a garantia, pelo Estado, de condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação, em todos os níveis, de todos os habitantes do território nacional.
A década de 1980 iniciou-se em clima de redemocratização, crise política, social e institucional do Estado Nacional. A área social e, em especial, a previdência social vivia uma crise profunda, assumindo medidas de racionalização e reestruturação do sistema.
No ano de 1986, o Ministério da Saúde convocou técnicos, gestores de saúde e usuários para um discussão aberta sobre a reforma do sistema de saúde, realizando, assim, a VIII Conferência Nacional de Saúde (VII CNS). Esta conferência foi um marco histórico da política de saúde brasileira, pois, pela primeira vez, contava-se com a participação da comunidade e dos técnicos na discussão de uma política setorial.
No Brasil, a garantia do direito à saúde e a configuração de uma política de proteção social em saúde abrangente (para todos e de forma igualitária) se configuram muito recentemente, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a instituição do Sistema Único de Saúde (SUS). Contudo, ainda hoje (2007) as questões anteriormente apontadas se apresentam no debate político e social, tensionando interesses e somando problemas para a consolidação do modelo de proteção social.
Fato é que o SUS legal não é ainda uma realidade nacional e mito há que se fazer para se alcançar a proposta constitucional. Basta dizer que o mesmo gasto público em saúde no Brasil, no ano de 2006 (gastos do Ministério da Saúde, dos governos estaduais e municipais), foi menor que o gasto privado em saúde. Neste mesmo ano eram beneficiários de planos de saúde 36 milhões de brasileiros (ANS, 2007).
O que esses dados revelam é um paradoxo, pois, apesar da existência de um sistema de saúde público e universal, há uma boa parcela da população que optou por outro tipo de sistema de saúde, o privado. Tal situação fragiliza o modelo de proteção definido em 1988 e levanta questionamentos acerca da extensão dos direitos – desde as formas de financiamento do sistema protetor até quem deverá ser protegido pelo Estado.

O direito à saúde é uma conquista do movimento social, e o caminho agora é a busca para implementa-lo.

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