Universidade
Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
Mírian Rachel de
Jesus Soares
História das
Políticas de Saúde no Brasil: a trajetória do direito à saúde.
Tatiana Wargas de
Faria Baptista
As primeiras ações
de saúde pública implementadas pelos governantes foram executadas no período
colonial com a vinda da família real para o Brasil (1808) e o interesse na
manutenção de uma mão-de-obra saudável capaz de manter os negócios promovidos
pela realeza.
Um dos resultados
da política de normatização médica foi a constituição de hospitais públicos
para atender algumas doenças consideradas nocivas à população e de necessário
controle pelo Estado, como as doenças mentais, a tuberculose e a hanseníase.
As primeiras ações
de saúde pública (políticas de saúde) que surgiram no mundo e que também
passaram a ser implementadas no Brasil colônia voltaram-se especialmente para:
proteção e saneamento das cidades, principalmente as portuárias, responsáveis
pela comercialização e circulação dos produtos exportados; controle e
observação das doenças e doentes, inclusive e principalmente dos ambientes;
teorização acerca das doenças e construção de conhecimento para adoção de
práticas mais eficazes no controle de moléstias.
A preocupação
maior era a saúde da cidade e do produto; a assistência ao trabalhador era uma
consequência dessa política. Nesse sentindo algumas campanhas voltadas para os
trabalhadores começavam a ser implementadas. A lavoura do café e toda base para
armazenamento e exportação do produto, dependentes do trabalho assalariado,
necessitava cada vez mais de mão-de-obra, e as epidemias que se alastravam
entre os trabalhadores, devido às péssimas condições de saneamento,
prejudicavam o crescimento da economia.
Começava a busca
por conhecimento e ações na área da saúde pública, com a criação, em 1897, da
Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), o incentivo às pesquisas nas
faculdades de medicina e no exterior (no instituto Pasteur) e a criação de
institutos específicos de pesquisa, como o Instituto Soroterápico Federal,
criado em 1900, renomeado Instituto Oswaldo Cruz (IOC) um ano depois.
A partir de 1902,
com a entrada de Rodrigues Alves na presidência da República, ocorreu um
conjunto de mudanças significativas na condução das políticas de saúde pública.
A reforma na saúde foi implementada a partir de 1903, sob a coordenação de
Oswaldo Cruz, que assume a diretoria geral de saúde pública. Em 1904, ele
propõe um código sanitário que institui a desinfecção; considerado por alguns
como um “código de torturas”, dada a extrema rigidez das ações propostas. Ele
também implementa sua primeira grande estratégia no combate às doenças: a
campanha de vacinação obrigatória. Seus métodos tornaram-se alvo de discussão e
muita crítica, culminando com um movimento popular o Rio de Janeiro, conhecido
como a Revolta da Vacina (Costa, 1985; COC, 1995). As reações dos grupos
organizados surgiram devido a ignorância da população sobre o mecanismo de
atuação da vacina no organismo humano associada ao medo de se tornar objeto de
experimentação pelos cientistas e atender interesses políticos dos governantes
(Costa, 1985).
Em contrapartida,
com as ações de Oswaldo Cruz conseguiu-se avançar bastante no controle e
combate de algumas doenças, possibilitando também o conhecimento acerca das
mesmas. Nas décadas de 1910 e 1920 ele dá início a segunda fase do movimento
sanitarista, e a ênfase passou a estar no saneamento rural e no combate das
três endemias rurais (ancilostomíase, malária e mal de Chagas).
Na década de 1920
o Brasil estava a todo vapor nas exportações, com isso as exigências dos
importadores quanto a qualidade dos produtos cresciam. Novas ações foram
implementadas no controle das doenças, tanto na área da saúde pública quanto na
da assistência médica individual (Costa, 1985).
Em 1923, Eloy
Chaves propõe uma lei que regulamentava a formação de Caixas de Aposentadorias
e Pensões (Caps). As Caps eram organizadas por empresas e trabalhadores, em uma
espécie de seguro social.
Note-se que apesar
de o Estado não ter definido um sistema de proteção abrangente e de se ter
mantido à parte dessa forma de organização privada, restringiu-se a legaliza-la
e controla-la a distância, esse modelo serviu de base para a constituição de um
primeiro esboço de sistema de proteção social no estado brasileiro, que se
definiu a partir dos anos 30 no contexto do governo Getúlio Vargas. Duas
mudanças institucionais marcaram a trajetória da política de saúde e merecem
ser aprofundadas: a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (Mesp) e
do Ministério do Trabalho, Industria e Comércio (MTIC).
A política de
proteção ao trabalhador iniciada no governo Vargas marca uma trajetória de
expansão e consolidação de direitos sociais. Algumas políticas foram
importantes: a obrigatoriedade da carteira profissional para os trabalhadores
urbanos, a definição da jornada de trabalho para oito horas, o direito a férias
e a lei do salário-mínimo. Getúlio passou a ser conhecido como o “pai” dos
trabalhadores, inicia no Estado brasileiro uma política de proteção ao
trabalhador, garantindo, com isso, uma mão-de-obra aliada ao projeto de Estado,
mantendo sua base decisória na estrutura estatal centralizada e atendendo aos
seus interesses econômicos. É nesta fase que são criados os Institutos de
Aposentadorias e Pensões (Iaps), ampliando o papel das Caps, constituindo um
primeiro esboço do sistema de proteção social brasileiro.
Estavam incluso
nos Iaps – instituto dos marítimos (IAPM), dos comerciários (IAPC), dos
industriais (Iapi) e outros. O trabalhador que não contribuísse com os
institutos estava excluído do sistema de proteção. A proteção previdenciária
era um privilégio de alguns incluídos, o que fazia com que grande parcela da
população, principalmente os mais carentes, fosse vítima de uma injustiça
social. Valorizando o trabalhador que exerce funções de interesse do estado,
atribuindo apenas a estes um status de
cidadão, uma ‘cidadania regulada’ e excludente, pois não garante a todos o
mesmo direito. (Santos, 1979).
A partir da década
de 1950, mudanças ocorreram no sistema de proteção à saúde. O processo de
acelerada industrialização do Brasil, o que gerou uma massa operária que
deveria ser atendida pelo sistema de saúde. Tal fato levou a uma expansão
progressiva e rápida dos serviços de saúde.
O modelo de saúde
que passa a se definir baseado no hospital e na assistência cada vez mais
especializada também seguia uma tendência mundial, fruto do conhecimento obtido
pela ciência medica no pós-guerra.
Foram grandes
marcos a criação do Ministério da Saúde em 1953, atribuindo um papel político
específico para a saúde no contexto de Estado Brasileiro; e a reorganização dos
serviços nacionais de controle de endemias rurais no Departamento Nacional de
Endemias Rurais (Deneru) em 1956.
Após o golpe
militar em 1964 veio a criação do Instituto Nacional de Previdência Social
(INPS), que permitiu uma uniformização dos institutos.
As pressões por
reforma na política de saúde possibilitaram transformações concretas ainda nos
anos 70, mudanças que se efetivaram de forma incipiente e resguardando os
interesses do Estado autoritário. Dentre as políticas implementadas,
destacam-se; a criação do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS); a
formação do Conselho de Desenvolvimento Social (CDS); a instituição do Plano de
Pronta Ação (PPA); a formação do Sistema Nacional de Saúde (SNS); a promoção do
Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (Piass); a
constituição do Sistema Nacional da Previdência e Assistência Social (Sinpas)
no âmbito do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) e a criação
do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), que
passou a ser o órgão coordenador de
todas as ações de saúde no nível médico-assistencial da previdência
social.
Esse conjunto de
medidas favoreceu a construção de políticas mais universalistas na área da
saúde priorizando a extensão da oferta de serviços básicos e fortalecendo a
perspectiva de reforma do setor.
A saúde passava a
assumir um sentido mais abrangente, sendo resultante das condições de
alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte
emprego, lazer, liberdade, acesso a serviços de saúde, dentre outros fatores.
Portanto, o direito à saúde significava a garantia, pelo Estado, de condições
dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações e serviços para a
promoção, proteção e recuperação, em todos os níveis, de todos os habitantes do
território nacional.
A década de 1980
iniciou-se em clima de redemocratização, crise política, social e institucional
do Estado Nacional. A área social e, em especial, a previdência social vivia
uma crise profunda, assumindo medidas de racionalização e reestruturação do
sistema.
No ano de 1986, o
Ministério da Saúde convocou técnicos, gestores de saúde e usuários para um
discussão aberta sobre a reforma do sistema de saúde, realizando, assim, a VIII
Conferência Nacional de Saúde (VII CNS). Esta conferência foi um marco
histórico da política de saúde brasileira, pois, pela primeira vez, contava-se
com a participação da comunidade e dos técnicos na discussão de uma política
setorial.
No Brasil, a
garantia do direito à saúde e a configuração de uma política de proteção social
em saúde abrangente (para todos e de forma igualitária) se configuram muito
recentemente, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a instituição
do Sistema Único de Saúde (SUS). Contudo, ainda hoje (2007) as questões
anteriormente apontadas se apresentam no debate político e social, tensionando
interesses e somando problemas para a consolidação do modelo de proteção
social.
Fato é que o SUS
legal não é ainda uma realidade nacional e mito há que se fazer para se
alcançar a proposta constitucional. Basta dizer que o mesmo gasto público em
saúde no Brasil, no ano de 2006 (gastos do Ministério da Saúde, dos governos
estaduais e municipais), foi menor que o gasto privado em saúde. Neste mesmo
ano eram beneficiários de planos de saúde 36 milhões de brasileiros (ANS,
2007).
O que esses dados
revelam é um paradoxo, pois, apesar da existência de um sistema de saúde
público e universal, há uma boa parcela da população que optou por outro tipo
de sistema de saúde, o privado. Tal situação fragiliza o modelo de proteção
definido em 1988 e levanta questionamentos acerca da extensão dos direitos –
desde as formas de financiamento do sistema protetor até quem deverá ser
protegido pelo Estado.
O direito à saúde
é uma conquista do movimento social, e o caminho agora é a busca para
implementa-lo.
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