terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Resumo O culpado é o mordomo? Constrangimentos outros (que não os do modelo econômico) à seguridade social

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
Mírian Rachel de Jesus Soares

O culpado é o mordomo? Constrangimentos outros (que não os do modelo econômico) à seguridade social
Maria Lucia Teixeira Werneck Vianna
Este artigo não tem, contudo, a intenção de discorrer sobre os descaminhos da seguridade social no Brasil. Razões e mecanismos usados para desvirtuar o projeto constitucional já foram bastante explorados na literatura. Antes propõe-se a discutir um processo que ocorreu paralelamente ao desmonte da seguridade social: o esmorecimento do debate, sobretudo do debate acadêmico, em torno dos princípios implícitos na concepção inscrita na Constituição de 1988. Pois tal debate não só animou vivamente a agenda de profissionais e estudiosos envolvidos com a chamada questão social por um largo período como teve presença fundamental na elaboração do capítulo que consagrou a noção de seguridade na carta.
O pensamento social moderno, seja na forma de ciência – as ciências sociais - , seja na forma de ideologia (ambas formas legítimas com que vem se expressando através dos tempos) é rico em antinomias. Universalismo x focalização é uma das que no momento frequentam, com assiduidade, as agendas de reflexão, das propostas e de práticas no universo das políticas públicas. Sua atualidade, uma vez relacionada ao renovado imperativo de enfrentamento da questão social – também está atualizada no cenário contemporâneo de reestruturações várias – não exangue as imbricações que mantém com outras antinomias. Em particular, com a antinomia clássica que, desde o alvorecer da modernidade, consome esforços dos pensadores: igualdade x liberdade. É então que as deias de liberdade e igualdade galgam destaque, assumindo contornos preservados até hoje: liberdade como ausência de restrições à escolha individual e igualdade como condição da própria humanidade.
Duas concepções de igualdade (tanto no campo da reflexão quanto no campo das proposições) confrontam-se nos debates acerca da solução conciliatória representada pela política social: a concepção de igualdade como ‘resultados mais igualitários’ e a concepção de igualdade como ‘iguais oportunidades’ para todos. Duas noções de liberdade também se distinguem. Na primeira, a liberdade é vista como ausência de restrições ao exercício do livre-arbítrio. Entre essas restrições enquadram-se certas incapacidades dos próprios indivíduos, como o analfabetismo ou a extrema penúria, que agem como obstáculos à livre escolha e que poderiam ser reduzidas. A segunda entende a liberdade como exercício positivo do livre-arbítrio, como liberdade positivada, para o que estipula como necessária a presença de capacidades, ou melhor, a presença de elementos propiciadores de tais capacidades ou, ainda, a presença de direitos substantivos e palpáveis.
O famoso texto de Marshal que defini a cidadania como conjunto de direitos acumulados historicamente, direitos civis, político e sociais é de 1949 (MARSHALL, 1967). E cidadania é entendida como uma medida e igualdade aplicada sobre uma sociedade de livres desiguais.
No Brasil, como sugerido antes, a inspiração do movimento de ideias que, convergindo com outros vetores, culminou na Constituição Federal de 1988 veio da concepção Estado de bem-estar social.
A concepção de política social que hoje prevalece se apresenta como (ou adquiriu o status de) política social, no pressuposto implícito de que a realidade (que além de autoexplicativa se tornou impositiva) assim o demonstra.
Essa predominante concepção de política social possui dois traços que tipificam como inovadora, no sentido acima referido, e que a enquadram na categoria de legítima representante da concepção liberal revisitada. Um deles é o estímulo à empreendedora atividade empresarial como instrumento de inclusão social. O outro consiste no ‘novo’ assistencialismo, caracterizado por transferências de renda aos pobres com condicionalidades.
Do entendimento reducionista de que a questão social é a pobreza (uma potente premissa teórica) decorre a acepção de que política social tem por função proteger os pobres, o que está longe de alinhar em concordância os cientistas sociais.
Um segundo conjunto de premissas, intrinsecamente ligado ao anterior, tem por epicentro a definição de pobreza como uma situação em que indivíduos se encontram por falta de certos dotes ou assets (BANCO MUNDIAL, 2000) que uma vez adquiridos, habilitam-nos a pular a linha da pobreza.

Os direitos e sistemas universais acessíveis aos pobres são, pois, formas de compatibilizar igualdade e liberdade, pelas quais e mediante as quais todos se tornam cidadãos (sociais), todos podem fazer escolhas. Pretensamente inovadora, essa ilusão de compatibilizar igualdade e liberdade, que a concepção liberal revisitada encerra, foi desmitificada por Marx com sarcasmo, há mais de cem anos: o mundo que imagina se circunscreve à esfera da circulação de mercadorias, onde “só reinam a liberdade, a igualdade, a propriedade e Bentham” (Marx, 1970, p87)

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